Mais tarde contarei a estória do Zagmuk e do Natal, que agora encontro-me sem tempo.
No entanto, não queria deixar de participar desta época natalícia… ai enganei-me, época consumista natalícia, assim é que é. Como tal, e para destoar um pouco do comum, aqui vos entrego um texto que transmite o tipo de sentimentos que realmente deveriam importar. Reflitam.
Carta Ao Pai Natal
Senhor Pai Natal, eu sei que és um anjo de Deus nosso senhor
e como mensageiro do céu, como diz
o meu amigo que mora na torre em frente
à minha barraca da favela onde vivo
quero pedir-te que transmitas lá no céu
como vou passar o Natal com a minha mãe.
Tenho dez anos e nunca tive um brinquedo
a não ser daqueles que nós fazemos com
arame, carros com rodas e tudo e volante.
Desde que cheguei de Cabo Verde que moro aqui
nesta casa de madeira sem luz, sem água
e só a lua acende as ruas estreitas, tão estreitas
que chego a bater nas casas com os cotovelos.
Nunca fui à escola e não sei ler nem escrever
por isso, pedi ao meu amigo menino para fazer
uma carta. É tão estranho a caneta dele desliza
sinais no papel das coisas que eu digo que é
difícil acreditar que as minhas palavras ali estão.
Às vezes espreito pela grade da escola que fica
ali perto e vou ver os meninos no recreio a brincar
quando a minha mãe diz para ir comprar pão
no senhor Inácio porque o dinheiro eu conheço
dez vinte cinquenta, as moedas e as notas.
Senhor Pai Natal, eu só queria… Olha, já disse
que não quero brinquedos, não me importo
mas diz a Deus para dar um homem à minha mãe.
Ela queixa-se muito, passa a vida a dizer que
a casa precisa é de um homem, principalmente
quando o meu irmão de dezoito se pica nos braços
e fica para ali parece um morto, mas quando acorda
começa a partir as coisas que restam por isso
é que nós não temos prateleiras para pôr as panelas
fica tudo no chão a monte. Há dias, deitou abaixo
a porta da casa e dormimos toda a noite com os cães
da rua a entrar e a sair. Eu quase não dormi porque tive
de enxotar os cães que iam lamber as pernas
ao meu irmão e à minha mãe. Foi engraçado.
Ah, sabes, neste bairro que não é bairro
não vem a camioneta buscar o lixo
o carro que vem é a carroça dos cães para os levar
não fazem mal a ninguém mas eles dizem que são vadios
os cães têm dono mas eles não querem saber
e dizem que são nossos amigos os cães.
Vem também um senhor padre dizer
para irmos à missa rezar e obedecer a Deus,
mas a minha mãe e eu não temos tempo, é preciso
ir buscar água a uma torneira que uma senhora pôs
no quintal para a gente. É quando
vou à água que eu vou brincar para a lixeira
e às vezes trago uma lanterna velha, um secador
que trabalha mas a minha mãe não precisa dele
porque tem o cabelo curto e é carapinha.
Ainda há outra coisa que eu queria pedir-te:
diz a ele, ao Deus e se ele se lembrar por causa
dos polícias que aparecem aqui todas as noites
é só para eles não aparecerem no dia de Natal
e porque a minha mãe quando os vê fica doente
porque eles mataram o meu pai que fugiu com medo
e eles deram-lhe um tiro nas costas.
Já não sei o que tenho mais para dizer
era tanta coisa mas o meu amigo que mora na torre
diz-me para não escrever muito porque assim
o senhor Pai Natal não tem tempo para ler todas as cartas
que os meninos, os que podem, enviam.
Vou dizer ao meu amigo para ler em voz alta
para saber se ele não se esqueceu de alguma coisa
até porque a minha mãe está a chamar-me para
pôr uma bacia a apanhar a água que está a cair
em cima da cama. Está a chover muito e é sempre
assim, é quando a mãe canta «sodade di nha crecheu».
Agora lembrei-me tu que és o Pai Natal,
o mensageiro de Deus e portanto sabes onde
está tudo porque vais dar as prendas a toda a gente.
Quando passares por cima da minha casa com o teu
carro de madeira puxado por aqueles animais que têm cornos
e parecem árvores no dia de Natal, faz-me só um sinal,
um sinal só para mim, só para mim.
E não te esqueças… lembra-te da minha mãe.
E é este o Natal de muita gente. Aliás, é este o dia após dia de muita gente.
Façamos algo por alguém. Temos um Natal melhor na palma das nossas mãos, quando as estendemos a outro…
Até para o ano! Beijão!